Se você é uma mulher jovem, assintomática e não está grávida, não há motivo para ela se submeter aos famosos "exames de rotina"
Era uma vez uma estudante de medicina que ouviu de um professor que não existem exames de check-up. What??? ~quem mexeu no meu paradigma?~ Não só eu, como todos os alunos naquela sala de aula ficaram pasmos, pois a vida toda ouvimos nossos pais, outros adultos e mesmo professores da faculdade reforçando a necessidade de se realizar exames de rotina.
Agora, pensando na saúde da mulher: por que uma mulher jovem e saudável, que não está sentindo nada, que menstrua normalmente e que não está grávida deveria se submeter a múltiplos exames ginecológicos anuais? Por motivo nenhum! ~tum dum tssssss~
Você já parou para pensar que o ginecologista é o único médico que frequentamos anualmente, mesmo ser ter nenhum sintoma, só para ver se está tudo bem? E por que não estaria tudo bem? Por que precisamos que outra pessoa – muitas vezes um homem – nos diga que está tudo bem com o NOSSO corpo?
A medicina moderna, infelizmente como tudo na nossa sociedade patriarcal, é carregada de muito machismo – mesmo a medicina praticada por médicas mulheres. Ao longo das décadas, a autoconfiança das mulheres em relação aos seus próprios corpos foi sendo minada, fazendo-nos acreditar que precisamos ser submetidas a consultas, exames de toque, ultrassonografias e outros procedimentos com tanta frequência. Nas entrelinhas desse modelo de saúde vigente, reina a ideia de que o corpo feminino é cheio de defeitos que precisam ser corrigidos. Somos mantidas reféns de consultas, exames e medicações, muitas vezes prejudiciais. Muitas décadas virão antes que a gente consiga desconstruir essa ideia, mas eu vou começar lançando essa sementinha. Sementinha essa que eu mesma ainda estou cultivando dentro da minha mente de médica e do meu coração de mulher.
Exames desnecessários podem trazer angústias, desconfortos, ansiedade pra paciente. Faz mal pra saúde mental e não traz nenhum benefício extra pra saúde física. Alguns exames são dolorosos e isso pode gerar medo na paciente, o que na prática significa que muitas mulheres fogem do consultório. Eu não quero que minhas pacientes fujam de mim ou sintam que a visita ao gineco é uma obrigação desagradável! Quero que elas venham até mim e encontrem acolhimento, um espaço seguro, onde elas possam obter informações úteis e cuidar de sua saúde.
Além disso, todo exame tem uma taxa de erro. Imagina se o exame erra e mostra que você tem uma doença? Imagina passar por um tratamento desnecessário? Tomar remédio ou mesmo se submeter a uma cirurgia e depois descobrir que não precisava de nada disso? Já atendi mulheres que tomaram pílula anticoncepcional por 10, 15 anos devido a um suposto diagnóstico de Síndrome dos Ovários Policísticos (falaremos sobre isso em outro momento) e na verdade não tinham doença NENHUMA.
O primeiro passo para sair desse ciclo de visitas anuais a um especialista seguido de realização de exames desnecessários é o autoconhecimento. Observe seu corpo. Seu ciclo menstrual. Seus fluídos. Suas emoções. Olhe sua vulva num espelhinho. Se toque. Isso mesmo. Toque sua genitália, suas mamas, seu cabelo, seu corpo todo. Conhecer seu corpo na normalidade é essencial para poder perceber quando ele não estiver normal.
O segundo passo é a informação. Leia. Pesquise. Converse com outras mulheres. Participe de rodas. Questione seu médico. Aprenda sobre sua anatomia e sobre o funcionamento do corpo feminino. Estude. Faça perguntas. Estude mais. Torne-se co-responsável na tomada de decisões que envolvam sua saúde.
Em seguida, vem o autocuidado. Tenha uma alimentação saudável e balanceada. Se você não tem nenhum problema de saúde, nada de dietas restritivas. Coma de tudo um pouco. Inclusive brigadeiro e McDonalds de vez em quando. Frutas de vez em sempre. Beba muita água. Um dia alguém me aconselhou a “descascar mais e desembrulhar menos”. Não fume. Pratique regularmente uma atividade física que te dê prazer. Saia com pessoas queridas. Ame! Ame muito! E acima de tudo ame a si mesma. Você é a pessoa mais importante da sua vida.
Quais são os exames ginecológicos e quando você deve fazê-los?
Exame físico ginecológico (espéculo + exame de toque): deve ser realizado apenas em pacientes que apresentem sangramentos irregulares, corrimento, sintomas urinários, queixas relacionadas à relação sexual e/ou dor pélvica.
Citologia oncótica ou Papanicolaou, também conhecido lá no meu Nordeste como preventivo (amo este nome e vou usa-lo para sempre). Deve ser coletado em mulheres que têm vida sexual ativa entre 25-64 anos. Depois de 2 exames anuais consecutivos negativos, ele pode ser realizado a cada três anos. A partir dos 65 anos, se os dois últimos exames foram negativos, o rastreamento pode ser encerrado. Esse exame não é feito para “ver se está tudo bem”. Também não identifica causas de corrimento. Muito menos identifica o vírus HPV no organismo. Ele serve para saber se a mulher tem câncer do colo do útero ou para identificar a presença de LESÕES causadas pelo HPV e que podem predispor ao câncer.
Captura híbrida (ou qualquer outro para detecção de HPV): HPV é um vírus sexualmente transmissível que está presente em 50% da população. Isso não significa que a pessoa tem uma doença, quer dizer apenas que o bichinho tá ali, quietinho, sem fazer mal a ninguém. Alguns fatores, como o tabagismo, podem fazer com que o HPV desperte e cause lesões, lesões estas que na maioria das vezes serão combatidas pelo próprio organismo (se o indivíduo estiver saudável). A doença causada pelo HPV aparece no exame de Papanicolau, e quando ela é detectada, há a necessidade de se realizar o próximo exame da lista, a Colposcopia.
Colposcopia/Vulvoscopia: principalmente nas grandes cidades, virou moda solicitar esses 2 junto com a coleta do Papa. A verdade é que, ao contrário do que se prega por aí, eles não são exames de rotina e só precisam ser realizados caso apareça alguma alteração no Papanicolau ou caso a mulher tenha algum sintoma, por exemplo: sangramento fora do período menstrual ou manchas na vulva.
Ultrassom transvaginal: inúmeros estudos recentes já comprovaram por A+B que não há indicação de se realizar esse exame anualmente em mulheres adultas saudáveis e assintomáticas, cujo exame físico esteja normal. Não diminuem a mortalidade por câncer de ovário, mas aumentam a retirada de ovários sem que haja realmente necessidade. Imagina retirar um ovário e depois descobrir que não tinha nada de errado com ele?!
Ultrassom das mamas: assim como o transvaginal, não é um exame de rotina. Apenas se a mulher notar alguma alteração em suas mamas, deverá um ginecologista que irá lhe examinar e determinar a necessidade ou não de realizar exames complementares ou mesmo de procurar um Mastologista.
Mamografia: indicada em mulheres a partir dos 50 anos de idade, deve ser repetida a cada 2 anos para rastreamento do câncer de mama. Lembrem-se que ela é feita com radiação, ou seja, submeter-se a muitos exames pode ter o efeito contrário e até favorecer o aparecimento de tumores.
Densitometria óssea: é indicada em mulheres menopausadas a partir dos 65 anos e só precisa ser repetida a cada 5 anos. Antes dessa idade, deve ser realizada apenas em quem possui fatores de risco (ex: menopausa precoce, tabagismo, uso crônico de corticoides, etc) e repetir a cada 10 anos. Também é uma radiação.
Para criar este texto eu me inspirei em textos e no trabalho de profissionais que eu admiro e que eu indico sempre:
Halana Faria ( Florianópolis/SC)
http://mulheres.org.br/2016/05/28/rotinas-ginecologicas/
Melania Amorim
http://estudamelania.blogspot.com.br/
Bel Saíde
www.ginecologianatural.com.br
Lembre-se que cada caso deve ser avaliado individualmente. Se, por exemplo, a sua mãe teve câncer de mama, você faz parte de uma população de risco e o acompanhamento médico no seu caso será diferente.
Post maravilhoso. Muito