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Por que eu não atendo nenhum plano de saúde?

Uma explicação sobre o que me levou a optar pelo atendimento particular, tanto para ginecologia quanto para obstetrícia



Andrea Rebello ginecologista e obstetra em consulta
Foto: Mariana Parga

Para quem não sabe ainda, eu sou uma médica ginecologista e obstetra que atende apenas de forma particular. Ou seja, tanto na parte clínica (atendimento ginecológico de mulheres de todas as idades e pré-natal para gestantes) quanto na parte hospitalar (assistência ao parto), a minha remuneração é feita de forma direta. A paciente paga diretamente para mim o valor das minhas consultas/atendimentos. Em outras palavras: eu não atendo nenhum plano de saúde.


Claro que a minha contabilidade emite Nota Fiscal para que as pacientes possam solicitar o reembolso junto aos seus convênios. O valor do reembolso varia de serviço para serviço e de plano de saúde para plano de saúde e é uma informação que todo usuário tem o direito de ter. Mas, provavelmente, cobre apenas uma parte do investimento. É importante explicar também que a solicitação do reembolso deve ser feita diretamente entre cliente e seguradora, não sou eu que solicito, meu papel é emitir a nota fiscal e fornecer quaisquer outros documentos/relatórios médicos que o convênio porventura venha a exigir.


Eu achei importante explicar pra todas vocês o porquê da minha escolha. Afinal, várias vezes eu me questionei se estava indo pelo caminho certo, pois sou consciente de que a minha forma de trabalho é elitista e só atende a uma pequena parcela de mulheres/famílias que podem arcar com os custos. Em um mundo ideal, eu gostaria que a atenção médica humanizada fosse um direito de absolutamente todas as mulheres, mas, infelizmente, essa realidade é ainda bem distante no país em que vivemos.


A partir do momento em que eu conheci o universo do parto humanizado e decidi que iria me dedicar a ele - e estender a excelência do atendimento também para a ginecologia, eu soube que não seria possível estabelecer nenhum vínculo com planos de saúde. E vou explicar o por quê.


O PLANO DE SAÚDE É A MAIOR INDICAÇÃO DE CESÁREA QUE EXISTE NO BRASIL


As maternidades são os setores menos lucrativos para qualquer hospital particular. Acho interessante explicar que, o quanto um hospital ganha com um parto, independente da quantidade de profissionais envolvidos, de horas e de quanto tempo que mãe e bebê ficam internados depois, é o equivalente a 1 dia de internação de um bebê na UTI neonatal. Ou seja, o hospital tem muito pouco lucro com o setor Maternidade. Mas, ter uma maternidade eleva o valor publicitário e até mercadológico de um hospital, e, por isso, vale a pena ter uma e retirar os lucros de outros setores. Por isso, para o hospital em si, não faz muita diferença se o valor de cada parto vem de planos de saúde ou diretamente dos pacientes.

Mas para os médicos, a diferença é surreal.

Para se ter uma ideia, em 2012, quando a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que é o órgão do SUS responsável pela regularização do setor de planos de saúde no Brasil, começou a regulamentar o segmento, foi constatado que o valor repassado para o médico pelo convênio variava de R$100 a R$500 para cesáreas e de R$108 a R$540 reais para partos normais, sendo o mínimo dos convênios com mensalidades mais populares e o máximo dos convênios “tops”. A ANS conseguiu algumas coisas, mas após 8 anos e uma economia bastante desestruturada como a que estamos vivendo no Brasil, proporcionalmente continua a mesma coisa.


Reparem que o valor do parto normal é, em média, 8% mais alto do que o da cesárea.

Então por que será que o Brasil segue sendo o país campeão de cesáreas do mundo?



Pensando friamente, se você fosse obstetra, você iria preferir ganhar 100 reais por uma cesárea que você pode agendar o dia e o horário e que dura cerca de 1 hora, 1 hora e meia, ou ganhar 108 reais por um parto normal para o qual você precisa estar disponível a qualquer hora, a qualquer momento, e que pode levar horas ou mesmo dias para que realmente aconteça?


O que compensa mais financeiramente: agendar uma quantidade de cesáreas por mês para garantir um saldo ou ficar à deriva de vários partos normais?

É por isso que o plano de saúde é a maior indicação de cesárea que existe. Criou-se uma cultura entre os médicos de que é normal agendar cesáreas, com as desculpas mais variadas que existem para isso. Clique aqui pra ver a lista incrível de DESNECESÁREAS que a minha colega e inspiração Melania Amorim compilou, em contraponto com a lista pequena de indicações reais de cesárea.

A verdade é que convênio nenhum paga o obstetra para estar disponível, pode ser o mais caro e com melhores acomodações. Por isso, alguns médicos, mesmo atendendo convênio, cobram uma taxa chamada “disponibilidade obstétrica”, que significa que ele estará disponível para o seu parto das 37 às 42 semanas de gestação.


Depois das intervenções da ANS, algumas conquistas foram feitas, e hoje a maioria dos hospitais possuem médicos plantonistas para atenderem partos a qualquer hora do dia e da noite (sendo que geralmente à noite, finais de semana e feriados, o quadro de funcionários é reduzido). Mas, as chances de ser o mesmo obstetra que acompanhou o seu pré-natal são quase nulas. O que não necessariamente quer dizer que é ruim: em países desenvolvidos, onde há um sistema de assistência obstétrica humanizada que realmente funciona, como o Reino Unido, não é problema algum ser atendido pelos plantonistas.


Eu, inclusive, se tivesse que recomendar para uma gestante entre ser atendida por uma equipe plantonista, que está à disposição para quando o seu bebê decidir nascer ou fazer uma cesárea agendada, com certeza recomendaria a primeira opção. Ou até mesmo, migrar para uma maternidade do SUS. E, em casos de gestação de baixo risco, a gestante pode optar inclusive por uma casa de parto ou pelo parto domiciliar. A própria OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que a mulher deve ter o seu parto no local mais periférico de assistência no qual seja seguro para ela e seu bebê e no qual ela se sinta segura.


É possível também contratar o hospital de forma particular, caso você não tenha convênio. Isso deve ser feito diretamente com o hospital de sua escolha, que irá explicar o que exatamente está incluso no pacote e o que não está. Aqui na Grande São Paulo, onde eu moro e atuo, pagar pela internação hospitalar sai em torno de 10 a 12 mil reais (mas se você simplesmente aparecer no hospital no dia do parto, sem contratar antes, custa aproximadamente 30 mil reais!).


Outra opção que eu acho bem bacana é abrir mão de ter o seu médico ou médica particular e migrar para uma assistência em grupo, os coletivos. Aqui em São Paulo, temos o Coletivo Nascer e a Commadre, que fornecem atendimento humanizado com equipes compostas por médicas e parteiras em hospitais de convênio/particular.



ENTÃO QUER DIZER QUE FOI PENSANDO NO DINHEIRO QUE VOCÊ OPTOU POR ATENDER SÓ PARTICULAR?



Não e sim.


Não vou ser hipócrita. Vivemos em uma sociedade capitalista e tudo o que fazemos depende do dinheiro: comer, morar, vestir, etc. Eu não venho de família rica, nunca ganhei na loteria nem vou receber nenhuma herança milionária, portanto, toda a minha renda vem do meu próprio trabalho. Como autônoma, não possuo férias remuneradas, licença-maternidade nem 13° salário. Preciso pensar também no meu futuro, em emergências e na minha aposentadoria.


Mas, acima de tudo, a minha escolha está mais ligada à minha missão como médica e também à minha qualidade de vida e de saúde mental.


Eu preferi assistir a uma quantidade limitada de mulheres, mas da forma mais humanizada e cheia de carinho e amor que encontrei. Preferi estar mesmo à disposição dos bebês para a hora que eles escolhessem vir ao mundo, mesmo que isso me custasse algumas noites viradas e alguns eventos perdidos. Veja aqui como funciona a minha consulta de pré-natal.


Preferi atender consultas de 1 hora de duração e acolher mulheres em sua totalidade, mesmo que isso signifique um número menor de pacientes. Desta forma, eu consigo ser inteira e sentir que estou fazendo a diferença na vida delas! Veja aqui como funciona a minha consulta de ginecologia.


Para esse tipo de atendimento, não consigo me vincular a um plano de saúde que estimula que os médicos atendam o máximo de pacientes em um mínimo de tempo e que me pagariam muito menos do que eu sei que mereço ganhar. Ora, se eu incentivo que as mulheres tenham noção do seu valor, eu devo ser a primeira a me valorizar!


DEVOLVENDO PARA O MUNDO A MINHA GRATIDÃO



Quando me arrisquei a parar de fazer plantão (saindo de empregos estáveis e abrindo mão da carteira de trabalho assinada) e a atender exclusivamente no consultório particular, não podia imaginar que, de forma tão rápida, seria abençoada com um número tão incrível de pacientes que muitas vezes acho que não vou dar conta!


Graças a todo esse presente do universo, hoje eu consigo investir em levar informação de qualidade e de forma gratuita para além da bolha, através das redes sociais e do meu blog, para que elas alcancem mulheres de todas as idades, classes sociais e lugares. Também uso parte dos meus ganhos para me manter sempre atualizada, fazendo cursos, frequentando congressos, comprando livros, investindo na minha presença digital, etc. (não é segredo para ninguém que eu tenho uma ajudante, a incrível Kalinka, que cuida das minhas redes para mim e ela também merece ser remunerada de forma justa!).


Além disso, consigo oferecer um atendimento social, ou seja, possuo vagas para consultas com valores menores, às vezes pelo valor do reembolso do convênio ou por outro valor a ser negociado. Se você deseja passar em consulta comigo, mas não tem condições de pagar o valor integral, me manda uma mensagem ou um email para contato@andrearebello.com.br. Vamos conversar e encontrar um valor que seja acessível para você e justo para mim. Eu não vou te exigir comprovação de renda, conto apenas com o bom senso de cada uma. Se você utiliza uma vaga social sem precisar, está tirando a vaga de uma mulher que realmente necessita!


Além disso, atendo pré-natal e parto de mulheres pretas e afrodescendentes pelo valor do reembolso de seus convênios, de acordo com a minha disponibilidade de agenda e, no caso do parto, se o convênio for aceito nos hospitais em que atendo.



COMO ME INFORMAR SOBRE O QUANTO O MEU CONVÊNIO PODE ME REEMBOLSAR DAS MINHAS CONSULTAS GINECOLÓGICAS/ PRÉ-NATAIS E PARTO?


Segundo as minhas advogadas da BZ Direito Médico, escritório de advocacia especializado na área, todos os planos de saúde precisam informar sobre reembolso em seus contratos e também em seus canais de comunicação. Você deverá entrar em contato diretamente com a operadora do plano de saúde para saber o valor de reembolso para consultas. Quanto a procedimentos como partos, colocação de DIU e cirurgias, seu médico deverá elaborar um documento chamado “Prévia de Reembolso”, no qual irá constar os honorários da equipe para determinado procedimento (inclusive com os códigos devidos) e daí, com esse documento em mãos, você entrará em contato com o plano. Para quem não está acostumado, pode parece tudo muito confuso, mas converse com o/a profissional que está te acompanhando para entender melhor sobre isso.


POXA, EU PAGO UM PLANO CARO PARA QUANDO EU PRECISO USAR, ELE NÃO SERVE PRA NADA?



Na hora de escolher um plano de saúde, se você tem intenção de ter filhos, é importante avaliar não somente o reembolso do parto propriamente dito, mas tudo o que está incluso nesse universo: quais maternidades estão incluídas, laboratórios para você realizar os exames, se cobre enfermeira, qual o tipo de acomodação, se cobre UTI neonatal etc. Informe-se sobre o valor do reembolso, avalie qual o tipo de parto e assistência você deseja ter. Na maioria das vezes, mesmo com um bom plano de saúde, poderá haver a necessidade de investir dinheiro.


Importante: a ANS tem uma Resolução Normativa que prevê que todos os planos de saúde garantam cobertura de enfermeira obstetra/obstetriz no acompanhamento do trabalho de parto. Confira aqui.


Muitas mulheres e casais com condições econômicas favoráveis e que têm o privilégio de planejar/se preparar para uma gestação, começam a reservar ou até mesmo aplicar uma quantia destinada a isso.


Assim como nos planejamos para uma viagem ou para trocar de carro, por que não se planejar para a chegada de um filho?


É o que eu sempre digo: os cuidados durante a gestação, parto e pós-parto deveriam ser sempre prioridade para os futuros pais, e vir antes de outras coisas que, muitas vezes, a nossa cultura insiste em dizer que são prioridades: chá de bebê, quartinho completo, itens caríssimos e, muitas vezes, desnecessários do enxoval, etc.


DICA: Muitas das informações aqui foram extraídas e inspiradas pelo episódio “PLANO DE PARTO X PLANO DE SAÚDE” do podcast do meu colega querido Bráulio Zorzella. Recomendo a todos que ouçam aqui.

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